Especial Fábrica de Natal
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sexta-feira, 22 de abril de 2011

Borrifada contra a malária


Nova estratégia promete baixar significativamente os números a seguir em relação à malária: aflige 240 milhões de pessoas no mundo, mata 850 mil delas (principalmente, crianças) e está presente em 108 países, segundo a Organização Mundial da Saúde.

A ideia do experimento foi testar a ação de um fungo contra o Plasmodium falciparum, parasita causador da malária. Estudos anteriores já haviam mostrado a eficiência da estratégia ao borrifar os mosquitos vetores da doença com o fungo patógenoMetarhizium anisopliae. Mas os resultados dos experimentos mostraram que a eficácia da técnica se restringia apenas aos insetos que haviam acabado de se contaminar com o parasito.

Agora, a equipe de Raymond St. Leger, da Universidade de Maryland (EUA), resolveu manter a arma, mas alterar o projétil. Os pesquisadores introduziram, no fungo, anticorpos humanos ou toxinas de escorpião, ambos com poder de combater o parasita.

Os esultados relatados na revista Science impressionam. Os autores dividiram os mosquitos Anopheles em três grupos. No primeiro, aplicaram o fungo modificado; no segundo, o fungo normal; no terceiro, nada. Nos primeiros, foram encontrados P. falciparum nas glândulas salivares de 25% dos mosquitos. Esse mesmo índice subiu para 87%, no segundo grupo, e 94%, no último.

Mas, no primeiro grupo, o número de parasitas nas glândulas salivares foi reduzido em cerca de 95%.

‘Anopheles albimanus’ fêmea
Mosquito ‘Anopheles albimanus’ fêmea, vetor da malária, se alimentando de um hospedeiro humano. A doença aflige 240 milhões de pessoas no mundo, mata 850 mil delas e está presente em 108 países, incluindo o Brasil. (foto: James Gathany/ CDC)

Estratégia ampla


O fungo M. anisopliae modificado produz, segundo os pesquisadores, moléculas que atacam o parasita em uma fase inicial de suas vidas – daí sua utilidade em reduzir a transmissão da malária em até cinco vezes, quando comparado com fungos não modificados geneticamente.

Considerada ‘doença de pobre’ pela indústria farmacêutica, a malária é – como se nota pelas cifras no primeiro parágrafo – um problema de saúde pública mundial. Os resultados de agora serão testados em campo, na África, continente assolado pela doença.

A estratégia valeria, segundo os autores, também para qualquer doença transmitida por artrópode, o que inclui nessa lista a dengue. A equipe já está criando fungos modificados para reduzir a transmissão de outras doenças, como a de Lyme (transmitida por carrapatos) e a doença do sono (por moscas tsé-tsé), bem como contra pestes (gafanhotos, por exemplo).


A centenária e misteriosa supercondutividade

A supercondutividade é um dos poucos fenômenos naturais – senão o único – a reunir virtualmente todas as facetas do desenvolvimento científico e tecnológico. Descobertas ocasionais, erros que conduzem a acertos, acertos ignorados que poderiam antecipar descobertas, promessas e realizações de aplicações tecnológicas, abandono relativo e interesse revigorado e, sobretudo, grandes desafios para sua explicação fazem parte da sua história.

A descrição do fenômeno dá a impressão de algo estonteantemente simples. Mede-se a resistência elétrica do material em função da temperatura. Quando esta decresce, o valor da resistência varia suavemente até que, em determinada temperatura, ele cai abruptamente a zero. A temperatura em que isso ocorre é conhecida como temperatura crítica (Tc) do material observado. Diz-se então que o material é supercondutor abaixo dessa temperatura.

Mas, no alvorecer de seu primeiro centenário, a supercondutividade permanece envolta em mistério e ainda não permitiu que a humanidade a utilizasse em muitas das suas tão sonhadas e plausíveis aplicações tecnológicas.

Como é usual acontecer com as grandes descobertas, a da supercondutividade resultou de um conjunto de eventos fortuitos conduzidos e observados por cientistas. No início do século passado, o físico holandês Heike Kamerlingh Onnes (1853-1926) dedicava-se à liquefação do hélio para obter temperaturas próximas do zero absoluto – ou zero grau Kelvin (0 K). Conseguiu a façanha em 1908, obtendo a temperatura de 4,2 K, o que lhe valeu o Prêmio Nobel de Física de 1913.

A motivação para a obtenção de temperaturas tão baixas era, principalmente, o estudo da resistência elétrica dos metais em função da temperatura. De acordo com o conhecimento da época, para levar adiante esses estudos seria preciso usar amostras metálicas de alta pureza. Mas purificar metais não era e continua não sendo uma tarefa fácil.

O físico holandês Gilles Holst (1886-1968), um dos colaboradores de Onnes, teve a ideia de usar mercúrio em vez de um metal. Por se tratar de um líquido, a purificação do mercúrio era uma tarefa banal. Então, no dia 8 de abril de 1911, eles colocaram um tubo capilar cheio de mercúrio no hélio líquido e mediram a resistência elétrica do material em função da temperatura: a 4,2 K, a resistência era tão pequena que não podia ser medida. Estava descoberta a ‘supracondução’, primeiro termo usado por Onnes para descrever o fenômeno.

Ironicamente, tudo poderia ter sido muito mais simples. Bastaria ter colocado um pedaço qualquer de chumbo, impuro que fosse, e observariam o fenômeno em temperatura por volta de 7,2 K. Mas apenas em 1913 eles fizeram o experimento com esse metal.

Entraves à pesquisa


As pesquisas com o novo fenômeno se arrastaram lentamente por muito tempo. Instalações que permitissem esse tipo de estudo eram quase um monopólio do grupo liderado por Onnes.

Além disso, havia outro incômodo na supercondutividade: o estado de resistência zero desaparecia quando a amostra era colocada nas proximidades de um campo magnético, por mais fraco que fosse esse campo.

Sabe-se hoje que a explicação para isso é que vários supercondutores descobertos naquela época eram metais elementares, muitos deles supercondutores do tipo I. Nesses metais, o estado supercondutor existe apenas em uma fina camada superficial e é facilmente destruído por campos magnéticos acima de determinado valor que penetram no material.

Passaram-se duas décadas até que a existência de supercondutividade em ligas metálicas fosse reconhecida. Era o nascimento dos supercondutores do tipo II, com temperaturas críticas maiores e estado supercondutor distribuído em grande volume da amostra, de modo que o material resistia mais à presença de campos magnéticos.

Essa interação entre estado supercondutor e campo magnético foi bem investigada pelos físicos alemães Walther Meissner (1882-1974) e Robert Ochsenfeld (1901-1993), que, em 1933, descobriram o efeito Meissner, uma das principais assinaturas do estado supercondutor. O fenômeno está associado à capacidade que um material supercondutor tem de repelir as linhas de força de um campo magnético.

Depois da descoberta do efeito Meissner, o grande salto na pesquisa sobre supercondutividade ocorreu no final dos anos 1950, quando os físicos estadunidenses John Bardeen (1908-1991), Leon Cooper (1930-) e Robert Schrieffer (1931-) apresentaram a hoje famosa teoria BCS, que lhes valeu o Prêmio Nobel de Física de 1972. Um componente importante dessa teoria é a formação de pares de elétrons, os famosos pares de Cooper, responsáveis pela condução elétrica nos supercondutores.

Primeiras aplicações tecnológicas


Se a comunidade científica recebeu com grande entusiasmo a teoria BCS, não havia como esconder a frustração pela falta de aplicações tecnológicas da supercondutividade. Mas esse caminho foi pavimentado poucos anos depois, com a fabricação de fios supercondutores de Nb3Sn, NbZr e NbTi, que ainda hoje são usados nos equipamentos de ressonância magnética de laboratórios de pesquisa e de hospitais e nos eletroímãs do Grande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla em inglês), por exemplo.

Ao mesmo tempo em que os pesquisadores experimentais avançavam na elaboração de supercondutores do tipo II, por volta de 1962, o físico teórico britânico Brian Josephson (1940-) previu a existência do efeito túnel em materiais supercondutores.

Esse fenômeno, já descrito na coluna de agosto de 2007, resultou na invenção do Squid (sigla em inglês para dispositivo supercondutor de interferência quântica). Trata-se de um sensor que permite realizar medidas magnéticas extremamente sensíveis e é usado atualmente em inúmeros equipamentos de pesquisa e em inovadores aparelhos clínicos de magnetoencefalograma, magnetocardiograma e ressonância magnética funcional.

Nos anos 1970, o avanço científico e tecnológico associado à supercondutividade era tão lento que muita gente foi se dedicar a outras áreas de pesquisa. A história mudou em meados de 1986, com a descoberta das cerâmicas supercondutoras, algumas das quais apresentando supercondutividade abaixo de 90 K.

Encontrar um material supercondutor com temperatura crítica próxima da temperatura do nitrogênio líquido (77 K) foi um grande passo em direção ao sonho supremo da supercondutividade em temperatura ambiente (entre 294 e 296 K). Mas ninguém sabe se chegaremos lá. Na verdade, ainda estamos muito longe: o recorde atual, 138 K, pertence a um óxido à base de mercúrio, bário, cálcio e cobre.

Enquanto as cerâmicas supercondutoras não satisfazem completamente o sonho dos engenheiros, os pesquisadores da área de ciência dos materiais avançam na descoberta de compostos supercondutores, sendo o diboreto de magnésio (MgB2) o mais novo da família. Comparado com as cerâmicas, ele é medíocre em termos de temperatura crítica (39 K), mas seu estado supercondutor resiste a altíssimos campos magnéticos, o que o credencia para a indústria elétrica de alta potência.

Finalmente, uma leve ducha de água fria: a teoria BCS não é capaz de explicar a supercondutividade em muitos dos novos supercondutores. Mas isso não é de todo ruim, pois mostra que ainda há muito o que fazer. Quem se habilita?